sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Terra Média, Nárnia e a quenga


Se você leu O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Nárnia (ou mesmo, assistiu os adaptações para o cinema), deve ter notado a semelhança entre os míticos personagens. Isso não é coincidência: J.R.R. Tolkien e C.S.Lewis, respectivos autores das obras, foram contemporâneos, colegas de profissão na mesma faculdade, se reunindo com um pequeno grupo de amigos,nas horas vagas, em um pub - os inklings - para um happy hour e discutir sobre personagens mitológicos.

Nárnia se distingue da Terra Média em muitos aspectos.

Quando se lê o Senhor dos Anéis, se distingue bem onde ficam os lugares ruins e perversos dos locais bons e agradáveis. Mordor era o inferno, Rohan era a guerra, o lar dos hobbits, o lugar de descanso e infância. Os elfos são o mistério e o mágico.

Já Nárnia parece sempre ensolarada e bela, e vai se deteriorando, tornando-se árida com o desenrolar da trama, até o desfecho apocalíptico, místico e transcendente.

Outra grande diferença é que é fácil identificar os mocinhos dos vilões para os lados da Terra Média, os maus são feios, fétidos, selvagens, asquerosos, os bons são heróicos, lindos, caridosos e altruístas.

Em Nárnia existem diferentes raças de seres místicos convivendo, e não se distingue pela aparência a maldade ou a bondade dos seres: há faunos, minotauros, harpias, animais falantes, anões, filhos de Adão e Calormanos, bons e maus, não necessariamente nesta ordem.

Esse sempre foi um detalhe que tornou Nárnia mais aceitável e real, em minha opinião. A Terra Média é mais densa, obscura, detalhada, sufocante, mas a vida real não distingue na aparência dos que são e os que não são.

Após cumprir meu turno, fui para a estação, vazia pela hora, aguardar a saída de meu ônibus. Uma moça da idade de meu primogênito era a única da fila naquele momento. Encolhida, parecia deslocada. Sua aparência era frágil, bermuda curta, cabelos negros esvoaçados em um rosto branco e assustado, pequena, magra, eve. Demorei a perceber o quanto ela parecia perdida, desviando o olhar de tudo a sua volta, procurando de quando em vez em meu rosto alguma familiaridade. Sinceramente, naquela noite estava interessada em meu livro, e meus pensamentos logo se concentraram na leitura assim que a condução partiu.

O perfume forte e doce demais inundou o ônibus, mesmo eu sentado nos últimos bancos e a moça isolada, silenciosa, no banco da frente, antes da catraca, por onde sairia na metade do percurso, meia hora depois.

Distraído, vi quando a menina desceu e entrou em um prostíbulo chique da av. Vergueiro.

Ela não tinha cara de puta. Não estava descrito em seu semblante antes de vê-la se era um orc, um elfo, um calormano. Não consegui matar a charada, ver naquela mocinha a capacidade de passar sua madrugada a disposição daquele que pagar, independente da tara, do apetite, do cheiro.

Ela era filhinha de alguém. Para alguns, uma vagabunda que gosta do que faz, para outros, alguém que precisa de Deus, mas que as mulheres orarão para que se converta longe de seus maridos. Outros ainda, muitas vezes familiares, desejarão que ela suma, ou morra.

Muitos personagens poderiam ser vistos naquela pequena mulher.

Para pessoas como eu, um trecho de uma noite qualquer, quando voltava de um dia extenuante de trabalho.

Eu, que na minha indiferença, poderia muito bem parecer com um orc horrendo diante da possibilidade de falar-lhe palavras de esperança que levo comigo, e não fiz. A pequena menina, juvenil como uma elfa, poderia ser chamada de diaba, mas jamais identificada assim em seus olhos tristes.

Só a culpa dela mentia. Fazia com que ela acreditasse que todos soubessem de sua vileza.

Autor: Zé Luís via Cristão Confuso

2 comentários:

  1. Realmente, Nárnia se torna mais 'parecido' com o mundo real no sentido de que não há como julgar a índole dos personagens pela aparência. A terra média de Tolkien é mais baseada em arquétipos, cada raça e povo representa um aspecto do ser humano, e a guerra que deve ser travada dentro de cada um para que o bem vença o mal.
    Particularmente sou fã de ambos, acho as duas obras incrivelmente boas de ler e com histórias super interessantes, que trazem muito o que refletir.

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  2. Também acho que o nosso mundo é mais parecido com o mundo de Nárnia, pois o mal não está escancarado na cara de todos mas se percebe nas mais diversas facetas.

    Realmente as duas histórias são épicas, alem de serem muito divertidas trazem uma mensagem profunda. Entre as duas gosto mais do senhor dos anéis ;]

    Abraço!

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