O livro de Eclesiastes nos faz recomendações aparentemente contraditórias. Sim, porque de um lado se recomenda que o jovem recreie seu coração, ande por caminhos que agradem aos olhos e que satisfaçam o coração. Então, depois desse estímulo, aparece uma frase que diz: “Sabe, porém, que de todas estas coisas Deus te pedirá conta”.
Ou seja: diz que se deve recreiar a alma, escolher o caminho belo, e agradar o coração, para então depois chamar a atenção para uma possibilidade quase nunca considerada nesta existência, que é a de que é possível se divertir saudavelmente, apreciar o que é bonito, e agradar a própria alma, sem fazer disso algo que necessariamente seja mal.
Afinal, Deus pedirá conta um dia de cada ato do ser... Mas, tal fato, não tem que ser visto como um convite à evasão de tudo o que possa significar alegria. Por esta razão o texto prossegue estimulando o jovem a experimentar as boas alegrias e os bons prazeres.
Assim, a recomendação é para que o jovem não se iluda com as falsas alegrias, nem com as belezas que não alimentam também a alma, e com as satisfações que não completam o ser.
Portanto, se diz: “Afasta, pois, de teu coração o desgosto e de tua carne a dor, porque a juventude e a primavera da vida são vaidade”. E prossegue recomendando que se faça isto “antes que cheguem os maus dias, e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer”.
Desse modo o equilíbrio da revelação da sabedoria nos põe no caminho do meio na existência, afastando-nos dos pólos e dos exageros em tudo. Infelizmente, na maioria das vezes, a juventude é desperdiçada no jovem!
É por esta razão que se passa da vida do jovem..., e se diz: “... antes que venham os maus dias...”—; fazendo-se, então, uma descrição de como pesa a vida de um velho. Sim, porque a velhice em si é canseira e enfado. Porém, quando o velho foi um jovem que desperdiçou a sua juventude no desgosto e na dor, sua idade avançada será amargurada e triste.
Desse modo, o que o Eclesiastes pede é que aqueles que, na juventude, se alegram, o façam com alegria verdadeira; e não com as euforias que só geram, ao final, desgosto e dor. Daí o apelo: “Afasta de teu coração o desgosto e de tua carne a dor...”
Ora, o estranho é que as maiores dores e desgostos que alguém pode carregar vida afora, em geral, são aqueles que decorrem de uma juventude que se desperdiça na insensatez do jovem empolgado com a primavera da vaidade. Assim se fica sabendo que a verdadeira juventude não é irreflexiva e nem inconseqüente!
Entretanto, o conselho da sabedoria não está na evasão da alegria, mas na educação dela; de tal modo que nenhuma alegria seja a vereda do desgosto, da descrença e do cinismo; e, nem tampouco, seja algo que consuma a carne com desgastes que não se tornarão em capital de bem estar para o futuro.
Hoje, quanto mais vejo a moçada tratando sexo como “hot-dog” e vejo a proliferação de “ficadas” que só deixam para trás o imperceptível desgaste de alma (fruto da troca de energias espirituais que não são boas) —, penso que nunca foi tão importante que se creia — e apenas se creia com base na saúde proposta na sabedoria divina, e não em nenhuma “moral exterior” — no quão danosas são para o ser (da carne ao espírito), essa cultura de desgosto e dor que se espalha pela terra.
Sim, porque no final, não é apenas questão de botar uma camisinha ou tomar um contraceptivo feminino, transar, lavar, botar a calcinha ou a cueca, bater um bom papo sobre a cama-coisa-nenhuma, e pensar que isso é apenas massagem erótica, e nada além disso.
Na realidade, conforme tenho dito, um casal que deseja ter uma vida juntos, tem que tecer tal existencial de modo processual, pois as coisas do amor não são automáticas, mas tecituras de gestos feitos no cotidiano e no tempo, um dia depois do outro.
Entretanto, conforme Paulo, a “fortuidade” existencial, como o unir sexualmente des-significado com alguém, gera um espírito, um outro termo, uma alteração na essência da pessoa; pois, tudo o que não é amor, é automático para o mal, produzindo transferências de natureza estranha, e, por vezes, deixando na pessoa uma sombra que, na maioria das vezes, ela não sabe nem mesmo de onde veio.
Isto sem falar que a opção por alegrias sem significado des-significam o ser; o que gera desgosto e dor de natureza psicológica e existencial.
Nestes dias, percebo que a grande dor humana já não advém do sentimento de “repressão”, como aconteceu nos séculos que nos antecederam. Prova disso é que a doença feminina por excelência, era a histeria, a qual é quase sempre o resultado da repressão, especialmente a de natureza sexual. Hoje, todavia, a histeria deixou de ser a grande vilã das angustias da alma, e se vê o crescente domínio da “Síndrome de Pânico”, tanto em homens como em mulheres; a qual (a Síndrome) produz sentimento de desamparo, orfandade e solidão.
Assim, quanto mais as pessoas se dão, mesmo que livres da repressão, sem o saberem, viajam para o pólo oposto, que é o da solidão e o do abandono. Desse modo, o convite divino é para que a alegria seja verdadeira, o belo carregue sentido e significado, e para que o que chamamos “satisfação”, não seja auto-engano, mas verdade boa para o ser. Não adianta tentar viver em qualquer dos dois pólos... Ninguém consegue neles encontrar vida.
Aliás, é Paulo que, aos Gálatas, diz que não se deve tentar viver nem sob as repressões da Lei e nem tampouco na Libertinagem e seu poder de introjeção; pois, no primeiro caso, a alma mergulha no desgosto de nunca ter sentido nenhum gosto; e, no segundo caso, ela se abisma no mundo das diversidades que criam legiões de espíritos e de sentimentos herdados pela alma em razão do excesso de trocas des-significadas.
Portanto, aproveita tudo aquilo que aproveita-aproveitar; e não te percas na multidão de prazeres que são apenas a injeção do desgosto e de dor de corpo-imagem na alma.
Todo aquele que desconhece tal equilíbrio, não importando o pólo no qual viva, experimentará muito desgosto e muita dor nesta existência; desperdiçando a força da juventude enquanto é jovem; e apenas acumulando para si os pesos de amarguras e de dores de ser que se estocam para os anos dos quais se diz: “Não tenho neles prazer!”
Pense nisto!
O autor do texto é Cáio Fábio
Postado originalmente em Cáio Fábio.net