quinta-feira, 17 de março de 2011

Consumir menos e viver mais

A política ambiental do Governo britânico alicerça-se no desenvolvimento de tecnologias “limpas”, mas os progressos em eficiência energética apenas aumentam as aspirações dos consumidores: “Se o meu frigorífico gasta menos energia, talvez compre um ar condicionado”. A inovação é parte da solução, mas não chega. O Governo baseia-se numa crença irracional.

O nosso sistema político baseia-se no crescimento econômico, medido através do produto interno bruto, que cresce graças ao aumento do consumo. Se as pessoas pararem de consumir, a economia vai ao fundo. A publicidade e o marketing têm como objetivo fazer com que continuemos a consumir e que os nossos filhos sigam esse exemplo.

Este sistema econômico, de custo ambiental exorbitante, está doente. O gráfico do psicólogo americano Tim Kasser ilustra-o bem. A curva do rendimento per capita está sempre a aumentar, desde há 40 anos, mas a das pessoas que se dizem “muito felizes” mantém-se estável. O desvio entre as duas curvas não pára de crescer.

O gráfico de Kasser é fonte de esperança e de inquietação. A boa notícia é que um baixo nível de consumo não é, necessariamente, sinônimo de infelicidade. Por outro lado, é preocupante ver que continuamos a consumir, mesmo que isso não nos torne mais felizes. Kasser diz que o hiperconsumo é uma resposta à insegurança, um mecanismo de adaptação destruidor. Nas últimas décadas, as fontes de insegurança multiplicaram-se.

Além das clássicas manipulações dos publicitários, economias de mercado altamente competitivas geram novas fontes de ansiedade, que vão das questões de identidade (Qual o meu papel na sociedade?) às perguntas fundamentais (Quem tomará conta de mim quando for velho?). A ligação entre materialismo e insegurança explica por que é que países tão diferentes como os EUA e a China são tão materialistas.

Este sistema é auto-alimentando. Quando mais insegurança, mais materialismo, e vice-versa. Kasser demonstrou que os valores materialistas geram angústia, tornando-nos mais vulneráveis à depressão e menos cooperativos. Certos estudos mostram que as pessoas sabem quais são as verdadeiras fontes de uma felicidade duradoura – ter relações sólidas, aceitar o que se é, pertencer a uma comunidade –, mas que uma poderosa aliança de interesses políticos e econômicos tenta desviá-las, fazendo-as trabalhar e gastar mais.

Mudar as coisas não será fácil e a transição para uma economia de baixo consumo vai demorar. O problema é que a revolução pode ter efeitos perversos, teme Kasser. A redução do consumo pode provocar instabilidade econômica e mais insegurança. E o aquecimento global também gera ansiedade, o que pode agravar a febre hiperconsumista.

Mas as coisas ainda podem correr bem. As nossas sociedades poderão adotar um modo de consumo moderado, orientado para a satisfação das verdadeiras necessidades humanas. A maioria das pessoas reconhece que se impõe mudanças no estilo de vida, mas todos esperamos que os outros dêem o exemplo.

No seu livro “Ecological Debt” [Dívida Ecológica, inédito em português], Andrew Simms aponta o papel crucial do Estado. No início dos anos 1940, o Governo britânico conseguiu reduzir o consumo, contando não só com a boa vontade dos cidadãos mas com uma vasta campanha de propaganda, aliada a um sistema de racionamento e impostos sobre produtos de luxo. Eis o que devíamos fazer, mas nenhum partido ousa propor.

Madeleine Bunting
in Courrier Internacional (edição portuguesa), Fevereiro de 2008

Originalmente publicado no jornal The Guardian, londres, em 03.12.2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário